sábado, 24 de agosto de 2013

Ciganos usam a arte para superar preconceitos em Alagoas


Lembrados sempre com preconceito, sendo sinônimos de esperteza para os negócios e de uma vida incerta, os ciganos sofrem, no dia a dia, inúmeras dificuldades para se inserir na sociedade. Nas escolas, as crianças são questionadas se já foram roubadas pelos próprios pais. Nas ruas, eles são apontados a todo instante e observam o medo nos olhos das pessoas. Para tentar quebrar essa barreira e pôr fim a séculos e séculos de discriminação, um grupo cigano de Maceió tem difundido a música e a dança originais da cultura. 

Pouca gente sabe, mas cinco municípios alagoanos possuem, de forma declarada, comunidades ciganas. Um total de mais de 200 famílias distribuídas em Delmiro Gouveia, Carneiros, Arapiraca, União dos Palmares e Maceió. Nas duas primeiras cidades, os ciganos vivem de forma precária, em acampamentos de lona. Nas demais, estão espalhados pelos bairros, tentando levar uma vida normal, longe de qualquer estigma, tendo que negar, muitas vezes, as próprias origens. 

Os ciganos também estão presentes em Penedo, sem serem reconhecidos pelo poder público, e, em Marechal Deodoro, onde o grupo é itinerante. Em todo o Brasil, são cerca de 300 acampamentos incluindo nômades e sedentários.

“Em Penedo existe uma comunidade muito antiga, mas eles não são reconhecidos. Nós sempre fomos vistos como atores coadjuvantes da história do Brasil, mas somos o único país que teve dois presidentes ciganos, que foram Washington Luiz e Juscelino Kubitschek, e disso, pouca gente sabe. Os ciganos jamais se envolveram em guerra, em derramamento de sangue, mas se um comete um delito, todos são taxados pelo crime. Vivemos uma luta diária para acabar com esse preconceito”, destaca Ruiter Durdevick, 40 anos. 

RESGATANDO A ARTE

Ele é um dos criadores do grupo de arte Leshjae, que tem feito apresentações e buscado resgatar as danças e as artes ciganas, rompendo paradigmas pré-estabelecidos. As apresentações acontecem de forma esporádica, mas os ensaios e aulas são frequentes e têm atraído também os não-ciganos, chamados de Gadje.

O trabalho de resgate da arte cigana tem rendido bons frutos. Além da participação do Leshjae em eventos locais e nacionais, o grupo já recebeu convites para representar as Américas em encontro no exterior, mas, por falta de incentivo, não conseguiu participar. 

“Isso desmotiva um pouco, mas não podemos deixar esse trabalho de lado. A realidade que os ciganos vivem é muito bruta. A nossa cultura não pode morrer”, destaca Anne Kellen, 34 anos, professora de danças ciganas. 

Ela e Ruiter são casados, têm dois filhos, e moram em Maceió. Eles tentam levar uma vida normal na capital alagoana, mas nem sempre conseguem. O último episódio marcante, fruto de preconceito, levou a família a mudar de casa. 

“Nós morávamos em um local onde eu dava aula de dança. Um vizinho, que não gostava, fez um reboliço, uma perseguição psicológica tão grande, que não aguentamos e decidimos nos mudar”, afirma Anne, que diz conhecer famílias que tiraram os filhos da escola por conta da discriminação. 

Um fato que os ciganos fazem questão de esclarecer é que eles não são uma religião, mas uma etnia, assim como acontece com os índios, que possuem diversas tribos. A crença em um ser superior é algo presente na cultura cigana, assim como a valorização da família, a alegria e a certeza de que o dia seguinte sempre será um dia melhor. 

“O que nós temos de diferente é justamente o jeito de encarar a vida. Vivemos com alegria, mesmo nos momentos difíceis. O povo cigano é muito crente e a família é a base de tudo”, destaca Anne Kellen. 

A ARTE QUE DESPERTA INTERESSES

A psicóloga Eliane Ferro, 42 anos, não é cigana, mas se rendeu aos encantos da arte propagada pelo Leshjae. Em um evento do qual participou em Brasília, junto com o grupo, ela conta que uma cigana pediu que ela ensinasse a dança que havia acabado de apresentar. 

“Eu me vi ensinando a dança cigana a uma cigana. A cultura original está se perdendo porque não existe incentivo cultural. Em Brasília, a dança cigana é sertaneja”, diz Eliane, destacando que antes de fazer parte do grupo também tinha uma série de preconceitos voltados para os ciganos. 

As verdadeiras danças ciganas têm como uma das características a sensualidade sem vulgaridade, por isso as mulheres usam até três saias na hora de se apresentar. O objetivo não é mostrar o corpo, mas a arte. 

“As pernas e a barriga são partes muito íntimas, por isso as ciganas não as exibem. Na dança, as mulheres podem tudo. Elas se enfeitam, se enchem de cores, mas não precisam mostrar o corpo. Nem por isso a dança deixa de ser sensual, conta Anne Kellen. 

 A arte de ler as mãos é um costume feminino, passado de mãe para filha. É também um dos grandes focos do preconceito da sociedade. "Elas saem para ler as mãos para ajudar na renda da família. Eles pedem para ler as mãos, mas entrega quem quer, ninguém é obrigado. O que existe é um despreparo para lidar com as diferenças, tanto da população quanto do poder público", lamenta Anne.

A odontóloga Cybelle de Lima Barros, que não é cigana, também integra o Leshjae. Ela dança e toca violão, defendendo uma arte que não é dela originalmente, mas que aprendeu a amar. "Sempre gostei de música cigana e tenho aprendido mais a cada dia. Os ciganos são sinônimos de alegria, de festa, de descontração. É uma cultura muito bonita e que as pessoas precisam conhecer", diz.


Postado por: Euclides Avila - Coordenador de Comunicação.

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